Cartas de Amor de Verona

Verona é uma cidade da região do Veneto cercada por muralhas medievais. Dentro de si corre o Ádige, um rio quase tão antigo quanto o amor de um clássico que deu vida à cidade. Aliás, sobre esta cidade, que é mais de amor do que Paris, escreveu William Shakespeare, autor de Romeu e Julieta,
   
"Não há mundo fora dos muros de Verona, mas sim o purgatório, a tortura, o próprio inferno. Ser daqui banido é o mesmo que ser banido do mundo e o exílio do mundo é a morte"

Vista sobre a cidade de Verona
Não existem palavras mais sábias para descrever Verona, declarada Património da Humanidade pela UNESCO, pela conservação quase exímia da arquitetura de influência celta e romana. É indescritível a magia que sente quem passeia pelo centro histórico e quem encontra a cidade a nu sem que a tenha primeiro despido. É de uma beleza sem igual, como é a calma e a paz que proporciona, longe do rebuliço e alvoroço tão caraterísticos das grandes metrópoles.

Ponte Pietra
Não sei o que lhe confere tamanho encanto, mas penso que as 9 pontes sobre o rio Ádige são parte do fascínio que fez com que me enamorasse de Verona. Pedro Abrunhosa um dia cantou, em jeito de súplica, que "nunca [caíssemas pontes", pontes, com sentido de ligação entre duas metades que, juntas, formam um todo com significado; pontes, como meio de comunicação entre duas partes, duas coisas, duas pessoas; pontes, como conexões, elos, uniões. Porque a partir do momento em que caem as pontes, é como se os laços se desfizessem. Mas em Verona não faltam pontes, cordas, correntes ou amarras que evitem com que as relações caiam por terra.

Vista da Ponte di Castelvecchio para a Ponte della Vittoria
Verona devolve a fé e a esperança até aos mais cépticos, fazendo-os esquecer a mediocridade e a hipocrisia com que se distinguem as relações humanas de hoje em dia, e fazendo-os acreditar na existência de uniões que não sejam nem esbatidas e nem ofuscadas pelo trabalho, pelo stress ou pela tecnologia. É, portanto, a cidade ideal para nos desligarmos das nossas descrenças, dúvidas, ou incertezas. Foi exatamente isso que fiz quando dei por mim a escrever uma carta direcionada a uma pessoa que nunca existiu, mas que sei que um dia me irá responder. Vizinha à Piazza delle Erbe, uma das mais importantes praças do centro histórico, situa-se um beco que conserva a seguinte mensagem gravada em mármore, logo acima da entrada:

"Queste furono le case dei Capuleti d'onde uscì la Giulietta per cui tanto piansero e cuori gentili e i poeti cantarono. Secoli 13 e 14" 

Nesse beco, claro está, fica uma casa, um maravilhoso exemplo da arquitetura gótica, comprada à família Cappello pela cidade de Verona em 1905. A semelhança entre o seu nome e o nome Capuleto (sobrenome da personagem de Julieta) resultou na criação da atual "Casa de Julieta", uma atração turística que todos os anos leva milhares de pessoas a contemplar a varanda onde supostamente Julieta suspirava pelo seu Romeu.

Entrada para o pátio da "Casa de Julieta"

Pátio da "Casa de Julieta", com a varanda no patamar acima e a estátua de Julieta, à esquerda, em baixo
Para além da varanda, há também uma estátua de Julieta no pátio que, segundo a tradição, confere sorte ao amor a quem lhe tocar no seio direito. Muitos são os post-its, com mensagens de amor, colados nas paredes do pátio, assim como cadeados vermelhos com nomes de casais ou mesmo pastilhas elásticas em forma de coração (!)

Porta coberta de cadeados colocados por visitantes

Pormenor
À parte tudo isso, existe também uma caixa de correio, onde são colocadas cartas para a Julieta. Fica nesse pátio também, imediatamente ao lado de uma casa que faz costuras para venda. Foi na ranhura dessa caixa que coloquei a minha carta. Pensei muito antes de escrever para uma pessoa que não existe. E depois pensei, porque não? Como disse, Verona convence até as pessoas mais cépticas a acreditar em coisas sem sentido nenhum. São milhares as cartas recebidas todos os dias por turistas de todo o mundo. E são dezenas os voluntários de todas as línguas que se oferecem para fazer de "Julieta", para que nenhuma carta fique sem resposta. É um género de clube, um ajuntamento de pessoas que se reúnem todos os dias para ler e responder a todas as cartas.

Caixa de Correio - Posta di Giulietta

Não fiz pergunta nenhuma, nem sequer pedi qualquer conselho. Aliás, esse é o tipo de coisas que normalmente todos fazem. Limitei-me a informar do estado de coisas em pleno século XXI, de como os sentimentos são agora tão frágeis, tão instáveis, tão mutáveis. O que já vi e ouvi todos estes anos, sem que ninguém me tivesse contado, foi mais que o suficiente para acreditar que nos dias que correm não existe amor. Ou melhor, existe, mas apenas por si próprio, como um sentimento egoísta, individualista. E depois há a necessidade de ter alguém ao lado para viajar, para ajudar na renda da casa, para cozinhar, para educar os filhos, ou simplesmente para mostrar. E chega-se à conclusão que (quase) todo o mundo está junto por acomodação, por conformismo, por desinteresse ou indiferença. Não me venham agora dizer que é por amor.

Vista sobre Verona

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