Como uma clementina enquanto reparo na fila de pessoas à espera do vaporetto na estação ferrovia. E sempre que olho para as estações dos vaporettos lembro-me sempre, com uma gargalhada para comigo mesma, do meu primeiro dia aqui em Veneza. E que dia! Na noite anterior à chegada, estava eu em Verona, recebo uma sms da minha operadora a informar-me gentilmente de que o meu serviço de roaming estava ativo há mais de 4 meses e que por essa razão, a partir desse dia em diante, iriam aplicar-me taxas extras sobre chamadas, sms ou internet para serviços fora de Portugal. Fiquei em pânico! Não sabia sequer como iria encontrar o hostel sem o GPS! Para me prevenir, revi nessa noite no google maps todo o caminho que teria de fazer desde a estação Santa Lucia ao hostel. Fiz printscreens de vários momentos do caminho e apontei o nome de todas as ruas pelas quais teria de passar. E acredite-se ou não, correu tudo na perfeição, até não haver mais terra por onde andar. Pois, porque o meu hostel ficava na ilha da Giudeca, pelo que teria obrigatoriamente de apanhar o vaporetto (autocarro aquático) para lá chegar. Como não sabia como funcionavam, fui até uma máquina de venda automática para comprar o bilhete. Quando vi o preço, pareceu-me que a terra me tinha fugido e que já andava a nadar no canal! Tinha comprado a passagem em Novembro por € 10,99 para fazer mais de 530 km de avião e agora ia pagar € 7,99 para andar 3 minutos de barco? Claro que não! Depois, nessas estações, existe a entrada, onde se deve passar o bilhete, e a saída, por onde descem as pessoas quando saem do vaporetto. Vejo imensas pessoas a entrarem pela parte onde diz "vietato entrare" (proibida a entrada) e penso - "Bem, se calhar, como o preço dos bilhetes é caro, muita gente não compra e vai com fé de não levar multa...". Optei por fazer o mesmo. Tive sorte. Disse-me depois o empregado
do hostel que, se tivesse sido apanhada, a multa poderia ter ido até aos € 100. Por
isso, pelo sim pelo não, é sempre melhor comprar.
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Vaporetto na estação |
Foi o que fiz no dia
seguinte. Comprei um bilhete de € 20 que me permitiu usar o vaporetto durante
24h. E depois pensei – “Bem, se quisesse andar de gôndola seria 3 ou 4 vezes
mais caro, por isso até que bem compensou o uso”. Os bilhetes podem ser
comprados em tabacarias (conhecidas como tabacchi, em Itália), em hosteis ou,
quando existem, nas máquinas automáticas das estações. Acordei ainda era de
noite porque queria ver com os meus próprios olhos o amanhecer na Praça de S.
Marcos. Foi a primeira vez que cheguei à praça, considerada o centro de Veneza.
Arrepiou-me o silêncio com que o Sol nascia, como se não quisesse perturbar os
que dormiam. Como se só os que já tinham acordado pudessem ter o privilégio de
ver com quantas cores o céu se pinta antes de receber a luz. Uma dezena de
fotógrafos profissionais posicionava-se na praça na tentativa de captar o
melhor amanhecer. Depois pensei que eu própria poderia estar a testemunhar a
produção da próxima capa da Travel ou da National Geographic. Há coisas fantásticas,
não há?
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Praça de São Marcos |
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Amanhecer na Praça de São Marcos |
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Praça de São Marcos |
Abandonei para sempre a quietude
da praça (sabia que mais tarde quando voltasse estaria em estado de sítio) e
aventurei-me à descoberta da mais famosa das quatro pontes que atravessam o
Grande Canal – A Ponte Rialto. Levei cerca de 15 minutos e foi só seguir a
indicação que consta nas placas colocadas praticamente em todas as ruas. Em
quase todos os lugares existem indicações para os 4 pontos-chave da cidade: Rio
Alto, São Marcos, Ferrovia (Estação de Santa Lucia) e Piazzale de Roma. Também
a Ponte Rio Alto foi invadida por fotógrafos à espera que o tímido sol se
mostrasse. Mas ali não foi fácil, o espaço não goza da mesma vista desafogada e
os edifícios, de um e do outro lado da ponte, acabam por demorar a magia da
luz.
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Indicações de caminho para os principais pontos da cidade |
De segunda a sábado há também
mercado em Rialto. Aliás, pelo que pude comprovar, mercados existem em quase
todos os centros históricos das cidades da zona do Veneto. Depois de percorrer
Veneza a pé, descobri apenas 2 supermercados. Os habitantes estão acostumados a
ir ao mercado e os turistas alimentam-se nos inúmeros hotéis, bares ou
restaurantes. Continuei a pé até à Piazzale de Roma e aí entrei num Vaporetto
para percorrer todo o Grande Canal sob as águas calmas. Ah, e é mito, as águas
de Veneza não cheiram mal! Pelo menos no Inverno, não. É uma sensação
indescritível. É aqui que reconheço que os € 20 não podiam ser mais bem gastos.
Lembrou-me um pouco Amesterdão, é verdade. Mas em mais lado nenhum senão ali as
ambulâncias são barcos, a recolha de lixo é feita em barcos, os táxis são
barcos, a polícia desloca-se em barcos e as próprias deslocações particulares
ou profissionais são por meio da água. A própria organização da cidade é todo
um processo completamente diferente do que estamos habituados.
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Ponte Rialto vista a partir do vaporetto |
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O Grande Canal - vista do vaporretto |
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Ponte Accademia - vista a partir do Vaporetto |
Regresso às escadas da estação, aos
pombos, às filas e ao sol. Por toda a parte para onde se olha vê-se o clima de
festa. Os mascarados formam aglomerados e dezenas de turistas pedem
desesperadamente por uma foto. O Carnaval aqui dura praticamente o mês inteiro
de Fevereiro e, apesar da folia, não se cometem excessos por aqui. Ao contrário
do típico costume português, que nos “manda” aproveitar porque a vida são dois
dias e o carnaval três. Aqui a festa dura o mês inteiro, por isso não há razões
para exageros. Assim foi também a noite de sábado, dia 8, de inauguração do
Carnaval. Simples, sem dada a exageros, mas tocante, capaz de arrepiar mesmo os
menos sensíveis. Os espetáculos de abertura foram todos grátis, daí que os
milhares de pessoas, que não quiseram deixar de assistir, entupissem todos os
acessos à Fondamenta de Canaregio, canal onde tiveram lugar os desfiles da noite de sábado
e da manhã de domingo. No final do espetáculo de domingo, a Comuna de Veneza
ofereceu (filhoses) a todos os espetadores. Uma tradição de Carnaval, diziam.
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Fondamenta de Canaregio - à espera para ver o desfile |
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Evento de Abertura do Carnaval |
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Segundo Evento do Carnaval 2020 |
Olhei para o relógio para
confirmar a hora. Faltavam quinze minutos para apanhar o autocarro.
Levantei-me, atordoada, por não ter dado conta do tempo passar. “Filhoses no
Carnaval!”, pensei para comigo. Ri-me perante tamanha estupidez. Em Portugal as filhoses são uma receita tipicamente natalícia que, infelizmente, já quase ninguém faz. Quem as quer comer normalmente compra-as já feitas. Filhoses... Depois estaquei, imobilizada. Filhoses no Carnaval! O brilho do sol fez com que a temperatura aumentasse por momentos e uma sensação de calor inundou todo o meu corpo. Filhoses no Carnaval. Sim, lembrava-me agora. Houve tempos em que também eu comi filhoses no Carnaval. Um tempo em que ainda nem sequer sabia onde ficava Veneza. Nem eu nem ela. E mesmo nunca lá tendo ido, sabia perfeitamente que se comiam filhoses pelo Carnaval. E fazia-as com tanto amor e carinho que ainda hoje não descobri ninguém que as fizesse de igual modo. Agora, sim, compreendo tudo.
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